domingo, 27 de abril de 2014

- O estranho caso de um garoto

...


Passos largos, pensamentos compridos...
quase flutuava sobre aquele asfalto molhado.
absorto, imerso, sóbrio.
o som dos automóveis desaparecera há muito
a mulher ruiva, o senhor de camisa xadrez, o casal sentado no banco ao lado
não via nenhum deles.
Ao longe, no horizonte cinza, retangular, o sol se punha, tímido.
Mas o abraçava. Seus raios, trêmulos, tênues, iluminavam o seu lado esquerdo.
o lado do coração.

A rotina passava ao lado, mas já não o tocava.
Naquele momento, tudo era sol, música, ela e Deus. 
A mulher riu, o senhor não viu e o casal sentiu quando o homem,
no auge dos seus 30 anos, sumiu.

Morrera às avessas. 

O sol já tinha ido, quando o menino reapareceu.
Seus cabelos brancos haviam sumido. As rugas, nem sequer existido.
Prendeu o fôlego, e com um só suspiro devolveu todas as preocupações para fora
para o horizonte cinza escuro que se estendia à sua frente.
Um riso contido no canto do lábio indicava o que seus olhos já denunciavam há horas :
Uma alegria infante, quase que suspeita, irracional.
Irradiava em seu coração, preenchia seus pulmões, anestesiava sua mente.
Ele próprio virara sol, e todas as outras 6 notas.

Tinha essa estranha habilidade, o garoto.
Transformar rotina em raridade, cinza em azul celeste, poente em nascente.
Não era incólume às preocupações, decepções, mentiras, ruídos
Envelhecia a cada golpe, por dentro.
No seu mundo interior, chegava aos 30, em quase uma semana, mesmo tendo 20.
Ainda assim, desenvolvera, não se sabe como, um jeito de burlar o inevitável.
talvez fosse o sol, a música ou ela.

Ela era linda, e estava presente nos seus dois mundos
Assim como a música, mas de forma mais intensa, menos lógica.
"Deus meu, obrigado."
e o som dos carros crescia gradualmente,
a mulher ruiva, o senhor de camisa xadrez e o casal no banco haviam passado.
mas ele não. Ele permanecia.

Era tarde da noite e as estrelas deslizavam pelo céu
enquanto o garoto se viu em frente a casa.
Apertou a campainha uma só vez, talvez nem fosse preciso.
A porta se abriu e ele sorriu mais uma vez.

sábado, 12 de abril de 2014

Diálogo I

      ...

r - Alô ?
c - Alô, sou eu.
r - (suspiro), não quero mais saber de você..
c - Eu sei.
r - Então por que ligou ?
c - Não pude evitar.
r - (respira fundo), não podemos mais ficar juntos, não depois do que aconteceu.
c - mas, mas.. eu nasci para estar com você.
r - Não vem com essa. Falácia !
c - o que significa isso ?
r - vês ? é disso que estou falando. Somos completamente diferentes.
c - E qual seria a graça se a gente fosse igual ?
r - Não é pra ter graça. Um relacionamento exige maturidade e equilíbrio.
c - ...e também sensibilidade e compreensão.


r - Se eu for levar em conta todas as suas opiniões, serei um tolo! 
c - Se não levar nenhuma, vai estar sozinho.
...
c - a razão não é auto-suficiente. Vc tem limites. Sozinho, vc tira a emoção da vida.
r - Você acabou de citar Pascal e Nietzsche.. na mesma frase.
c - (riso bem baixo) eles tinham coração. Aposto que eram amáveis e engraçados.
r - (riso contido), você tem que ler mais..


c - Alô ? ainda está aí ?
r - estou pensando..
c - não pense muito.
- (suspiro longo) tudo bem. 
- tudo bem o quê ?
r - vamos falar pro garoto que ela é a garota certa.
c - e aquele papo de que "precisamos estudar, trabalhar..", "ela nem é do meu tipo", "não tenho tempo."?
r - deixa pra lá, daremos um jeito.
c -  já dizia um velho ditado : O coração tem razões que a razão não conhece.
- ..Pascal de novo.. e é engraçado que você só lê o que lhe convém...
c - não enche o saco.

(razão e coração)





quarta-feira, 2 de abril de 2014

Melhor hora do dia


A meia noite, tudo corre.
Deitado, já não tenho mais os pés no chão.
É quando o sonho vem antes de dormir e, ao fechar os olhos,
processamos todo esse caos. A razão vai se misturando.. diluindo.
E caímos em nossas ideias.. mais do que isso.. nos tornamos uma.
Ao contrário de quando estamos atuando, ao dormir os seus sentimentos negam você e não o contrário.
O palco é deles, e você é mais um na peça.
Não somos personagens. Somos texto, versos e interpretações.

De noite, tudo passa mais devagar.
Aí está a ironia..
A luz do quarto se apaga e somos obrigados a olhar para dentro.
Reviramos tudo em busca de algo ou alguém.
A noite segue e sempre dou um jeito de olhar pra cima.
"Pensamentos são estrelas que não consigo arrumar em constelações"
brilham de tal forma, que mesmo a noite, podemos ver tudo.
.refletimos.
E quanto mais vamos para dentro, mais expandimos.
Tudo parece possível e é mais um daqueles momentos em que você parece infinito...
...e é.

O fato é que
apontamos para o céu e não percebemos que as estrelas estão aqui do nosso lado.
E quantas delas passam desapercebidas.
Já cheguei a ver milhões de uma só vez em um olhar.
bilhões ao pensar nisso essa noite.

A melhor hora do dia é aquela em que você decide olhar para dentro, por um instante,
e assim, vendo um universo inteiro, nota uma estrela que seja.
 E a faz uma constelação.. 

..no seu próprio coração!