sábado, 26 de julho de 2014

O Criador de nuvens

Estava nublado.. Fazia muito tempo.



   Acontece que no mundo, todos temos uma funçãozinha chave. Longe dos holofotes, a funçãozinha daquele senhor, já marcado pelo tempo, era a de criar nuvens. "Ora, um criador de nuvens que se preze deve ter qualidades e responsabilidades que o qualificam a ocupar esse ofício." disse certa vez a uma jornalista, que por sua vez, tinha um dos ofícios mais quentes do momento: O de informar, esclarecer e entreter todos os outros bilhões de "funcionários". Mas isso foi a muito tempo.
    Ana não fazia isso pelo público, apesar de ser paga por isso. Fazia por si só. E, não por acaso, começara a sua própria matéria: sobre as funções mais peculiares do momento, ou apenas inusitadas. Fascinada, mas cética em relação ao jovem criador de nuvens, lhe fazia as mais diversas e complicadas perguntas. Ao término de uma tarde inteira de entrevistas, ela confessou ter encontrado uma pessoa diferente de qualquer outra que já houvesse conhecido. Rabiscou algo em seu caderninho. E sumiu.
    A verdade é que o tempo não espera ninguém.. e não tardou em passar. Logo, o garoto avoado virou um jovem sonhador, que por sua vez, deu lugar a um senhor poeta. O Jovem sonhador, sempre presente nas acaloradas entrevistas com Ana, gostava de lembrá-la da importância daquele modo de vida. "É mais que uma profissão", disse, ainda olhando para os olhos dela, que brilhavam. "Carrego sonhos." O Engraçado é que nunca ninguém o havia questionado quanto ao processo de criar uma nuvem, nem mesmo Ana. Estavam interessados em discutir, sem compromisso, e já sem as suas vestes sociais, as suas visões de mundo. E passavam horas a fio, tecendo e desfiando ideias.
    A verdade é que o tempo não pára. A não ser por uma palavra: Saudade. "Ela faz as coisas pararem no tempo." dizia sempre o Criador de nuvens, mais senhor poeta do que jovem sonhador. Ana, com o passar do tempo resolveu o entrevistar para sempre, e até oficializou isso em algum cartório da cidade. Teve no civil e no religioso. Apesar de ela ser cética em relação a esse negócio de civilidade. Seguiam entrevistando-se. E o jovem poeta, ou senhor sonhador chegou mesmo a mostrar para o mundo o seu método, muito semelhante ao usado para se fazer algodão doce. Mas era diferente. Fazia nuvens, das brancas, das cinzas, daquelas em forma de coelho, daquelas que não tem forma alguma. Era uma arte.
    E quando a saudade foi ficando maior que a realidade, a profecia daquele senhor se cumpriu. E ele parou no tempo. De olhos abertos, fitando os olhos dos sonhos e com um sorriso entreaberto no rosto ele passou a ser maior que o tempo. Atemporal. Ana já tinha passado por essa fase, alguns anos antes, de cabelos brancos e com o mesmo sorriso entreaberto nos lábios arroseados.
     A verdade é que o tempo não espera ninguém... e não tardou em passar. Logo, o controle geral das nuvens parou de funcionar corretamente. E nuvens demais saíram pela chaminé daquela casa.

   Estava nublado. Fazia muito tempo.
e os funcionários do mundo todo reuniram esforços para automatizar o processo de fazer nuvens.
E não é que conseguiram ?!
Aos poucos foram ganhando os céus. Ralas e genéricas nuvens cor-de-marfim.
As brancas se perderam com o tempo e as de coelho, fugiram.

Já pelos olhos dos dois.. tudo permanecia, exatamente como tinha parado.
A verdade, é que fugiram dali.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Uma linha por vez e...

Cada traço, um espaço.. em branco.
Cada linha, uma sina... e tanto.

Cada passo, incerta rotina..
Num compasso
  de dança e rima.

Poesia não se faz com as mãos..
nem com linhas.

De uma vez, afoga.
Dá curto, dá tilt.
e quase sempre insistimos nisso.

Não !
Pondera,
e aos poucos, Afaga.
Preenche,
Que o gosto da próxima linha em branco
é o que faz o tempero do texto inteiro.

Uma frase por vez, sem escolher tanto as palavras.
Deus nos deu essa capacidade.
Existe um mar entre exagerar e ser prolixo.
Ah baudelaire.. você estava certo :
"Homem livre, tu sempre gostarás do mar."

Sem por nem tirar
Quero o céu, quero o mar
Quero a razão confrontada,
Quero por o pé na estrada,
Sentir a mão suar..
O Sangue esquentar..
Viver,
nascendo de novo

todo dia.

Charles Baudelaire